Estas reflexões vêm a propósito da notícia Universidades de Lisboa e do Porto de novo no ranking de Xangai - Educação - PUBLICO.PT.
As comparações baseadas em critérios parciais são sempre injustas.
Há alguns meses, falando com um nosso conterrâneo que divide o tempo entre o CERN e um laboratório da Un. da Califórnia em Berkeley (uma universidade Estatal nos USA), soube que as propinas nas universidades privadas dos USA (Harvard, MIT, Stanford, etc...) rondavam os 200 mil dólares anuais (!!). No entanto, quase todos os alunos têm propina reduzida (as universidades atraem os melhores cérebros com descontos nas propinas, os alunos trabalham em projectos de investigação que decorrem nos departamentos/laboratórios das universidades e são remunerados por isso, etc...) mas todos pagam anualmente, pelo menos, 50 a 100 mil USD - só os meninos/as ricos e tontos pagam a propina completa nestas escolas de topo. Por vezes, as despesas de alojamento estão incluídas naquele valor: contrariamente ao que se passa em Portugal, nos USA quase todos os estudantes fazem a sua vida nos campuses universitários.
Exposto o elevado custo do ensino universitário nos USA, vejamos como este é suportado.
Há algumas semanas, um interessante documentário explicou o mecanismo dos empréstimos académicos federais nos USA. Foi visível que qualquer universidade/instituto de vão de escada, eventualmente com cursos da treta e que tão pouco leva a cabo qualquer tipo de investigação, cobra à volta de 30 mil USD de propina anual. Para que os alunos de uma instituição privada de ensino possam beneficiar de empréstimo federal, esta tem de ter uma "certificação", o que faz com que a caça a esta certificação pelos empresários (sim!) do ensino universitário privado nos USA seja uma actividade económica em alta.
Para além dos empréstimos federais, também há empréstimos da banca privada concedidos a estudantes, obviamente condicionados pela probabilidade de pagamento que o banco atribui ao estudante/curso em questão.
Assim, muitos licenciados terminam o seu curso universitário com uma dívida que ronda os 100 a 150 mil USD. Este valor é sensivelmente o custo de um apartamento de classe média/baixa em Portugal.
Lá, como cá, há muito desemprego e certos cursos apresentam empregabilidade muito duvidosa. Por esta razão, o incumprimento dos pagamentos daqueles empréstimos tem subido em flecha, sendo o Estado (dos USA) um dos grandes prejudicados.
Assim, nos USA facilmente um recém-licenciado poderá possuir uma formação sem valor de mercado, estar no desemprego e, ainda, dever à banca o equivalente ao custo de um apartamento médio em Portugal...
Comparemos com o que se passa por cá (e, em geral, na Europa). Os números recorrentemente divulgados indicam que o Estado Português desmbolsa, anualmente, algo como 5000 Eur. (cerca de 7000 USD) por estudante técnico (o tipo de estudante mais caro). A propina paga pelo estudante é cerca de 1000 Eur. E o investimento em investigação em Portugal, público e privado é inflaccionado (para o confirmar bastaria escrutinar detalhadamente como são apuradas todas as parcelas que resultam na percentagem do PIB gasta em investigação que o MCTES apregoa...)
Como é possível comparar o investimento em investigação universitária cá e nos USA? É este investimento, juntamente com o potencial humano que o executa, que está por detrás dos índices de publicação científica que contribuem para os critérios de avaliação das Universidades. Grosso modo, entrando somente em conta com a contribuição financeira associada aos estudantes, nos USA o influxo financeiro per capita (de estudante) será cerca de 8 a 10 vezes maior.
Assim, nos USA o financiamento do ensino e da investigação universitários assenta, em grande medida, nos ombros dos estudantes que em geral ficam sobrecarregados no início da vida activa pelo peso correspondente a um substancial empréstimo bancário.
Onde está o dinheiro para pagar equipamento (e condições) de investigação de topo nas Universidades Portuguesas? Ou que empresas obtêem benefícios dessa investigação?
Embora de forma muitas vezes camuflada, é este dinheiro que está por detrás da organização das importantes conferências científicas, da nomeação dos corpos editoriais das revistas mais prestigiadas, das ofertas de bolsas de curta e média duração a cientistas influentes, do intercâmbio de estudantes e de professores (em Portugal, praticamente não existem fundos próprios das Universidades para efectuar este tipo de financiamentos, tendo quase sempre que se recorrer à FCT ou a fundos de programas de mobilidade Europeus, o que onera o processo com uma inominável carga burocrática...) Como disse um sábio, é o dinheiro que faz movimentar o mundo...
Será justo comparar a performance relativa das nossa universidades com, por exemplo, a da selecção de futebol, que se encontra em oitavo (8) lugar no mundo? Ou, quiçá, com os atletas Portugueses do pingue-pongue, estando um Português actualmente entre os 40 melhores do mundo?
Não me parece justa a comparação, na medida em que os critérios privilegiam essencialmente métricas de Investigação e não de Ensino, actividade esta que, embora cada vez mais menosprezada pelas avaliações (e não só...) é aquela que projecta no futuro (cerca de 50 anos, a duração aproximada de uma vida de trabalho) a qualidade da Universidade que "Ensinou".
Existe sem dúvida uma relação entre a qualidade da Investigação e do Ensino, mas não é a única: senão, todos os Licenciados Portugueses formados até à década de 1980 seriam, digamos, "cientificamente aleijados". Mas são eles que, na prática, gerem actualmente o nosso país, com resultados não tão maus como por aí se apregoa...
Finalmente, não vejo razão para os Magníficos Reitores das Universidades de Lisboa e do Porto sacudirem a água do capote e considerarem o resultado das suas escolas no ranking como, digamos, bom... No futuro tentarei abordar outros aspectos da vida Universitária que carecem (IMHO) de..., bem, mudança... e que poderão contribuir para a subida das nossas Escolas em rankings futuros. Assim de repente recordo-me de Bolonha, do empenho dos estudantes, dos rácios de funcionários não docentes, da grandeza das épocas de avaliação e das reais possibilidades de ligação dos professores e alunos à economia real. E, também, da fragmentação, sobreposição e desorganização de Unidades/Centros/Institutos no espaço Universitário. Mais haverão, decerto.