Monday, March 28, 2011

E agora Portugal? Debate "Prós e Contras" da RTP-1, na Reitoria da Universidade de Lisboa, no dia 28 de Março de 2011

Começamos pela apresentação dos intervenientes principais:


Moderadora: Fátima Campos Ferreira, Jornalista.
"Hosting:" Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa, Prof. Jorge Nóvoa, acompanhado da Universidade de Lisboa "itself", Centenária Instituição desde há alguns dias.


Continuamos com o texto publicitário sobre o debate, retirado "ipsis verbis" do site da RTP, e  com a lista de participantes.


Encruzilhada política e urgência financeira.
A nação prepara-se para ir a votos sob o signo de austeridade e de desconfiança.
Olhos postos no futuro, a instituição universitária é o garante do desenvolvimento.


Num grande debate que conta com a presença de um conjunto alargado de personalidades:


ANTÓNIO NÓVOA - Reitor da Universidade de Lisboa
ANTÓNIO HESPANHA - Prof. Catedrático Universidade Nova
ANTÓNIO FEIJÓ - Diretor Fac. Letras Universidade de Lisboa
EDUARDO PAZ FERREIRA - Prof. Catedrático Universidade de Lisboa
JOÃO SALGUEIRO - Economista
JOSÉ REIS - Diretor Fac. Economia Universidade de Coimbra
JOSÉ GIL - Filósofo
LÍDIA JORGE - Escritora
MARIA MOTA - Cientista
Pe. TOLENTINO MENDONÇA - Teólogo


Estranho. Nas Universidades agora há Diretores, os "Directores" foram extintos. C'est la vie.


Vi o início do debate, à laia de sobremesa. Estava curioso, devido à pertinácia e actualidade do tema e, além disso, faço parte da Instituição hospedeira. Passada meia hora, deixei de ver e passei apenas a ouvir as diatribes dos sábios.


A Dª Fátima tentava evitar os estragos na audiência do programa causados pelas tiradas académicas estratosféricas (o Prof. João Gil ganhou o Óscar nesta categoria...), entremeando umas buchas, umas piaditas e traduzindo para miúdos (leia-se, citando factos e acontecimentos palpáveis da semana,  que o público viu no telejornal, ou leu no Metro ou no Destak, vagamente relacionados com as abstracções académicas) ideias que a mim me custava a descodificar... 


Ouvi de tudo: alguém a dizer que o consumismo era o grande culpado disto; que ninguém apreciava os políticos, quando havia alguns que tentavam dar o seu melhor e governar isto;  sugestões de algumas personalidades apontando para que a solução do nosso problema tinha de incluir "assim a modos que" uma vertente filosófica, social e etc. e tal (o Dr. João Salgueiro educadamente interveio aqui a lembrar que a questão em causa era essencialmente sobre pilim, e não sobre fumaça!).  Para servir de tempero à conversa, volta e meia lá vinha uma mão-cheia de banalidades, mostrando que alguns dos convidados/as decerto nem sabiam bem ao que vinham.


O Dr. João Salgueiro foi o único convidado com as botas bem calçadas: ele e o Prof. José Reis da Fac. de Economia de Coimbra (mas este com perfil e discurso marcadamente Académicos...) deveriam ser os únicos a saber o que é uma matriz de Leontieff e que o Adam Smith não era o ferreiro do rei Henrique VIII :-) Vários convidados, e a Dª Fátima, mostraram conhecer a nossa História, ao fazer a inevitável comparação da situação actual com a vivida no final da Monarquia e na 1ª República, no início do século XX. Não sei se citaram a célebre tirada do Rei D. Carlos ("Esta choldra é ingovernável!", em que a choldra era Portugal), mas pouco deve ter faltado...


O meu prémio de "Personalidade Mais Interessante" vai inteirinho para o Prof. António Hespanha. Até teve a coragem de afirmar que somos formatados politicamente pelos media, essencialmente pela televisão, pois praticamente todos os comentadores se encontram num espectro limitado (desde a ala esquerda do PS até à ala esquerda do CDS, este último limite já com alguma benevolência...) e, assim, o grande público nunca é exposto a argumentos mais extremistas (dos dois lados) e fica albardado e com uns antolhos políticos... A Dª Fátima fez um sorriso algo amarelo, mas não teve coragem de discordar.


A certa altura, deveres urgentes desligaram-me do espectáculo e, confesso, já não tive energia anímica para me arrastar de novo para a frente da pantalha. O som foi esvanecendo, e  apercebi-me que já tinha começado um filme ou uma série (o Português fora substituído pelo Inglês...) Que terei perdido no final? Talvez uma extrema unção, dedicada a Portugal e executada pelo Pe. Tolentino Mendonça...


Devido à retirada precoce do debate, peço desde já desculpas condicionadas, caso o facto de não ter assistido integralmente ao programa me faça injustiçar alguém (embora só tenha comentado o que vi...)


Uma frase de um dos convidados que me ficou na cabeça, embora decerto tenha sido congeminada originalmente pelo Monsieur de La Palice foi que tínhamos de pensar, e que em Portugal não se pensava o suficiente. Bem visto. (N.H.: na campa do dito ficou gravada a seguinte frase: "Aqui jaz o Sr. de La Palice. Se não estivesse morto ainda estaria vivo"... Sagaz tirada que me faz lembrar uma semelhante, mas contemporânea, da Dª Lili Caneças.)


Seguindo o conselho, quando sosseguei resolvi pensar no que vi e ouvi (embora parcialmente) esta noite. Este exercício intelectual deixou-me estarrecido, literalmente com os cabelos em pé: tentei imaginar como iríamos sair da alhada Nacional em que estamos metidos, se fôssemos liderados pelo  conjunto alargado de personalidades que participou no debate. Concluí que o mais certo era afundarmos ainda mais...


Também concluí que a televisão Estatal deve andar pelas ruas da amargura, pois não conseguiu arrebanhar um conjunto alargado de personalidades que, eu sei lá, tivesse mesmo algumas ideias interessantes e viáveis (ou inviáveis, mas divertidas!) sobre como se poderia começar a puxar o País para fora do buraco onde está enfiado... 


Ainda hoje me lamentei a uma colega sobre o facto de o conhecimento transmitido à já imensa mole de gente que passa pela Universidade não ser cabalmente aproveitado pelo tecido económico (há desemprego, há dificuldade no acesso ao crédito por muitas empresas, a grande maioria das empresas Portuguesas apresenta reduzida base tecnológica,...). Aliás, actualmente muitos dos melhores estudantes vão fazer pós-graduações no estrangeiro, ficando bastantes por lá. É relevante acrescentar que estes estudos são, frequentemente, pagos com bolsas saídas de fundos Portugueses... Tenho sido da opinião de que são as empresas que não dão (ou não têm) condições para absorver, estimular e conservar nos seus quadros os melhores alunos universitários, mas actualmente já me questiono sobre se a Universidade sabe, quer e pode dar a sua contribuição para esse processo, o que só iria enriquecer o tecido produtivo Português.


Epitáfio


Possivelmente o programa irá aparecer em breve nesta página da RTP (já lá está o da semana passada)
http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/pros-contras/?headline=21&visual=6

P.S: ao pesquisar sobre este evento televisivo, já depois de escrever o texto, encontrei uma outra apreciação bloguista do dito cujo:  http://portadaloja.blogspot.com/2011/03/o-discuros-dos-pros.html

Wednesday, January 19, 2011

Os meus 2 tostões sobre as eleições para Presidente da República em Janeiro de 2011

À semelhança de muitos Portugueses, o meu  interesse na campanha eleitoral para a Presidência da República tem sido quase nulo. Para além dos seis candidatos, dos Partidos Políticos e dos penduras gravitando nos seus séquitos, o Povão, onde orgulhosamente me integro, está um bocado a leste do evento.

Também não é de estranhar: quando a vida do País marcha em velocidade de cruzeiro, a Presidência da República é um "cargo-banana".

Na verdade, o PR tem poderes extraordinários em situações "anormais" ou de crise, bem como o poder de fiscalização e, mesmo, de veto, relativamente às Leis produzidas pelo binómio Parlamento-Governo. A situação mais notória em que estes poderes foram activados correspondeu à varridela que o Presidente Jorge Sampaio deu no Primeiro-Ministro Santana Lopes, abrindo o caminho à "socratização".

Dentro da normalidade, o PR tem que se pôr "assim a modos que em bicos de pés" para que dêem  por ele, promovendo umas Presidências Abertas, presidindo a uns Colóquios, e fazendo umas viagens de Estado  para emular as viagens marítimas dos nossos exploradores no Renascimento. O Presidente Mário Soares, circa 1994, quando se armou em contra-poder ao PM da altura, Cavaco Silva, foi mais longe na interpretação da figura de contraponto ao Governo: apadrinhou, com mais ou menos evidência, eventos em que o mote era a crítica ao Governo, tais como o o congresso "Portugal Que Futuro?" e os "Estados Gerais" do PS.

Assim, poderá concluir-se que há alguma latitude, e mesmo espaço para alguma criatividade, no desempenho do cargo de Presidente da República. Coisa que não se viu no quinquénio que passou: houve mais parolice que criatividade.

A apreciação dos candidatos a PR que irei fazer é fruto da memória que tenho de alguns deles, mais concretamente do respectivo desempenho político público nas últimas décadas, das notícias sobre a campanha eleitoral veiculadas pelos jornais gratuitos que me distraem as viagens sonolentas nos transportes públicos, e das imagens da campanha que passam nos telejornais tardios, visualizadas entre a ingestão de duas colheradas de sopa ou duas garfadas de bacalhau à Brás. Vale o que vale esta apreciação, mas como não sou comentarista político encartado não me vou preocupar com o eventual enviesamento opinativo.

No entanto, retenha o seguinte facto: por muita maquilhagem que os staffs (quando os há) dos candidatos ponham nas suas imagens física e psíquica, o bicho humano aprendeu a confiar mais nos esgares das caras, nos contorcionismos dos corpos e nos "cheiros" (que a televisão ainda não consegue passar...) para fazer a avaliação das personagens. Basta ver a série "Lie to me" (da qual sou um descarado fã) para perceber o que eu quero dizer (pese embora alguma dramatização exagerada, mas desculpável nas situações mostradas na série)

Eis os rapazes, seriados por ordem alfabética do respectivo apelido. São dois médicos, um professor reformado, um poeta, um operário da construção civil e um electricista. Se quiser saber detalhes oficiais sobre os candidatos, dirija-se a este site e siga os links que lá estão. Tem outras alternativas informativas, decerto: procure com o google.


Manuel Alegre -- Poeta que se tem arrastado pela democracia Portuguesa ao longo dos anos, abatendo umas perdizes e umas lebres nos entretantos e nos dias de caça. Aparece sempre em simultãneo com as cheias em Águeda, onde possui uma residência. Ora alinha com a ortodoxia do PS, ora desalinha, isto é, possivelmente não se pode confiar muito nele. Estão-lhe associadas umas pícaras e antigas memórias de amores no Parlamento -- quais amores de Pedro e Inês.
Teve um bom resultado (quase 21%) nas últimas eleições à Presidência de 2005, mas não usou, ou soube usar, esse gatilho político para se alcandorar a patamares de visibilidade mais elevados. Os factos ligados à sua estadia na Argélia como asilado/exilado poliítico, antes do 25 de Abril, estão um pouco envoltos em nevoeiro (veja a bibliografia no link supracitado). 

José Manuel Coelho --  Figura madeirense que quer ser reconhecida a nível nacional. E até merece, agora que os Gatos Fedorentos estão no defeso. É o tipo com mais piada da campanha, não tem staff, não preenche muitos dos tempos de antena a que tem direito, anda a fazer campanha no continente no táxi de um amigo que o passeia a troco da gasolina. Um castiço!
Se for eleito presidente, decerto vai abdicar de todas as mordomias no palácio de Belém: corre com os motoristas e aniquila a frota de carros oficiais da Presidência, passando a usar o táxi do amigo para as deslocações e o amigo como único assessor e, simultaneamente, motorista. Não vão faltar bananas (da Madeira) na Presidência: nunca o epíteto de "cargo-banana" estará tão correctamente atribuído como nesta (hipotética) situação de Presidência.
É um dos dois proletas deste naipe de seis candidatos em 2011, visto ostentar a profissão de operário da construção civil.  Finalmente, parece que o JMC é coleccionador de bandeiras: no Parlamento Regional da Madeira, onde assenta arraiais, já uma vez andou a passear uma bandeira nazi. Mas foi para a oferecer ao líder parlamentar que, porém, não aceitou a prenda.

Francisco Lopes -- Sempre que há umas eleições para PR, o PCP vai ao seu arquivo de clones (estou-me a lembrar daquelas incubadoras nos filmes Matrix ou Minority Report) desencantar e desenrolar mais uma trouxa empalhada.
Desta vez a sorte calhou ao electricista Sr. Lopes. A sua campanha é assim "a modos que"  mais um pretexto para ouvirmos quase todos os dias o camarada Jerónimo Sousa a declamar a cassette, nos almoços e jantares em que acompanha o seu candidato (que devem ser praticamente todos os almoços e jantares da campanha). Até parece que o camarada Jerónimo é o candidato. Porque é que não foi mesmo ele, outra vez, como em 2006? Porque a política do PCP é ir rodando os clones à vez? É hora de mudar, rapaziada...
Ou, por outro lado, o Jerónimo vai fazendo uma marcação cerrada ao Francisco, não vá este aventurar-se a ter ideias próprias e, eu sei lá, vir a querer disputar a liderança do PCP com o Jerónimo. Eleições no PCP, com dois ou mais candidatos? Only in your dreams, sucker...

Defensor Moura -- Ex-Presidente da Câmara de Viana do Castelo. Estranho nome próprio: os pais disseram-lhe indirectamente, logo à nascença, que devia era jogar à defesa. Pelos vistos não segue o conselho, pois no debate com o candidato Cavaco Silva confrontou-o como os gastos desmesurados que quer a Presidência da República, quer a Câmara de Viana (pressionada pela Presidência), tiveram com as celebrações do 10 de Junho de 2008, dia de Portugal. Ao que o candidato Cavaco Silva respondeu com não respostas, isto é, engoliu em seco e ficou a ouvir os murros. Grande Defensor, que passaste ao ataque!
O Dr. Defensor Moura é médico, o que nos leva a pensar que até estes profissionais já terão algumas dificuldades em encontrar emprego (pois Fernando Nobre também é médico...). Os candidatos médicos provavelmente só aparecem nesta corrida porque o candidato oficial do PS, Manuel Alegre, virtualmente não é um candidato do PS.

Fernando Nobre -- Farto de ver desgraças no estrangeiro, ao serviço da AMI que fundou, resolveu passar às desgraças políticas em Portugal. Aparece nas imagens televisivas com o ar muito parecido ao de um médico (que o é) quando está a dar uma descasca, durante uma consulta, porque andamos a fumar muito, a abusar das sandes de coirato e das imperiais, e não tomamos as pílulas para a tensão arterial e para o colesterol! Assim não vai lá Sr. Dr., tem de ser mais simpático para a audiência.
O seu modelo de Presidência, decantado da grande experiência que tem na prática da Medicina no 3º mundo, poderá ser, porventura, um plano de vacinação geral e gratuito de Xanax para todos os Portugueses, mas em tamanha quantidade que a gente só irá acordar daqui a dez ou vinte anos quando alguém (a Sra. Merkel?) entretanto tiver pago a dívida soberana de Portugal (é soberana porque está a mandar em nós, a desgraçada... até já tenho pesadelos com ela).
Conselho ao Nobre candidato: menos política e mais bisturi (o peso do eventual apoio do Ex-Presidente Mário Soares já não é o que era).

Aníbal Cavaco Silva -- O candidato Cavaco Silva é um velho conhecido dos Portugueses e um emérito professor reformado. Ele até deve ser boa pessoa, mas parece que tem um calcanhar de Aquiles: não é lá muito bom a escolher os amigos. Aí é que ele precisava de assessores capazes (pelos vistos a família próxima não o tem ajudado muito): antes de fazer os amigos, colocava-lhes uma escutazita electrónica durante um par de semanas para se certificar de que eram bonzinhos.
Nos Governos em que foi Primeiro-Ministro, nas saudosas décadas de 80 e 90, teve que resolver uns pincéis ligados a membros do Governo: o irmão da Ministra Leonor Beleza, um Secretário de Estado da mesma -- Costa Freire, os perdões fiscais do Secretário de Estado Oliveira e Costa, as permutas de andares nas Amoreiras do ministro Cadilhe... Ou seja, também na entourage lhe saem "alguns duques", como soi dizer-se.
O seu maior problema, agora, que lhe deve dar uma boa dose de pesadelos nocturnos, é de índole ornitológica: se pudesse acabava já com as gaivotas, essas vis ratazanas voadoras... e, bem vistas as coisas, é um problema que lá no fundo tem a ver com amigos...


Em quem votar, então? Caro leitor, se chegou até aqui, vai ficar decepcionado com isto: não lhe dou nenhuma sugestão. Porquê? Porque como não vou estar em Lisboa no próximo Domingo, dia 23 de Janeiro, não preciso de escolher em quem voto ou, mesmo, de decidir se vou votar. Já tenho o meu problema resolvido.

Mas é provável que você não tenha: ponha essa cabecinha a funcionar e decida lá onde vai pôr a cruzinha no boletim.

Saturday, December 4, 2010

Coçe os Neurónios com o Scratch - ou "Afinal quem define os planos de estudo das disciplinas de TIC no Ensino Secundário?"

A estratégia do Governo Português para o desenvolvimento e potenciação na juventude de competências em Tecnologias da Informação (TIC) tem tido aspectos bons e maus.

Um aspecto francamente positivo foi permitir, a custo quase irrisório, o acesso generalizado da população estudantil e docente a meios informáticos, mesmo sendo estes, em geral, básicos e de "gama baixa". Convém, no entanto, que o cidadão não olvide que estes meios são essencialmente pagos pelos impostos de todos nós e são decerto responsáveis por parte da dívida de Estado que o Governo Português contraíu nos últimos anos: não foi do bolso pessoal dos Srs. Governantes que saíu o financiamento dos "Magalhães" e dos outros computadores portáteis.

Um aspecto negativo da estratégia foi que boa parte desses meios traziam "agarrados" contratos de comunicação de dados, com mínimos de pagamento obrigatórios e/ou prestações, através da rede GSM (vulgo rede de telemóveis) de banda larga, o que faz com que o custo real do portátil seja sensivelmente o seu valor de mercado. Estou a falar do programa do Ministério da Educação, conjugado com operadoras de redes móveis, que disponibilizava portáteis a docentes e a alunos do Ensino Básico e Secundário (se bem me recordo).

Paralelamente o Governo também financiou um vasto programa de re-equipamento informático aplicado a muitas escolas do país. Estas ficaram dotadas de computadores modernos servidos por Internet (bastante) rápida. Ou seja, em termos gerais os meios físicos estão lá na escola.

Porém, o aspecto mais grave deste assunto tem a ver não com o hardware e com a forma, eventualmente criticável, como este foi apresentado a estudantes e a professores, mas sim com o uso - muito pela rama - que dele é feito. E o que vou dizer resulta de ter filhos na Escola Pública que relatam, em traços gerais, o que se passa. Regra geral, os computadores nas escolas servem para pesquisar a Internet, escrever em MS Word, fazer apresentações em MS PowerPoint e para "navegar" na Internet, ao sabor do gosto pessoal dos alunos. Ou seja, o uso profissional do computador pelos alunos fica limitado àquele que pode muito bem ser feito por qualquer pessoa que possua apenas a escolaridade básica: não se tenta puxar pelos alunos e alargar-lhe os horizontes  relativamente aos possíveis usos (profissionais e economicamente valiosos...) do PC.

O que entristece neste cenário é o computador ser uma máquina fantástica que permite aplicar não somente a vertente "racional" e "matemática" das nossas mentes, mas ser também um veículo de suporte à criatividade artística: veja-se o caso da linguagem Processing, que foi criada por Ben Fry e Casey Reas com o objectivo de ser ensinada a estudantes de Artes Visuais, uma população em geral bastante avessa à programação de computadores, para ser usada em projectos de Multimedia.

Mas actualmente há disciplinas específicas às TIC no Ensino Secundário. Fui procurá-las e examinar os respectivos programas. Talvez o seu conteúdo curricular contradissesse a minha anterior (má) opinião sobre o uso do computador na Escola; talvez a minha perspectiva tivesse vistas curtas!

Fui parar à Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), do Ministério da Educação, e aí procurei programas do Secundário que tivessem a ver com as TIC. Encontrei dois: o PROGRAMA DE TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO do 9º e 10º Anos (pdf , 55 páginas, estando outra versão, ou cópia, aqui) e o PROGRAMA DE TECNOLOGIAS INFORMÁTICAS 10º - 11º - 12º ANOS (pdf, 99 páginas). Posteriormente encontrei mais alguns programas de disciplinas de TIC mais específicas: na medida em que consistiam basicamente de subconjuntos da informação contida nos dois primeiros, não os menciono (você encontra-os facilmente com um motor de busca).

Por um lado, pareceu-me óbvio que os documentos deveriam conter bastante informação: 55 e 99 páginas é muito. E, atendendo à importância, decerto seriam também actualizados - pois os programas do ME para o Ensino Básico e Secundário, e os livros, mudam muito mais frequentemente do que os Governos.... Finalmente, sendo as TIC na Escola uma das bandeiras de propaganda (e de investimento, também...) do Governo, esperaria que tivesse havido um esmerado cuidado na elaboração dos seus programas.

Eis o que encontrei: o "Programa de TIC 9-10", da autoria da Dra. Sónia Mildred João, data de 2003; e o "Programa de TI 10-11-12", de Luís F. Soares (Coordenador), foi homologado em 2001! E são estes os programas que o a DGIDC do ME disponibiliza no seu site. Os currículos em Informática fossilizaram em 2003!!!

Mas pensei um pouco: pelo menos os autores dos programas deverão ter sido seleccionados de um lote de profissionais qualificados da área da Informática e da Ciência dos Computadores, e farão parte do corpo docente de Departamentos de Informática de Universidades ou de Institutos Politécnicos, ou de Instituições ou Empresas de gabarito na área da Informática. E furiosamente pesquisei a Net, usando como ponto de partida o mais invulgar daqueles nomes, à procura de um CV que justificasse a atribuição àquela pessoa concreta da responsabilidade da eleboração de programas de estudos com o potencial de influenciar, positiva ou negativamente, o futuro tecnológico de Portugal.

O que recolhi? Uma página do Facebook e uma página de pesquisa do ME onde se fica a saber que a Dra. Sónia está associada a sete (7!) documentos de definição de disciplinas do Secundário ligadas às TIC. Não vislumbrei o seu CV online. Não sei, portanto, quais as qualificações da Senhora Dra. que justificam a sua condição de coordenadora destes documentos. Não encontrei quaisquer publicações científicas relevantes (ou não) em seu nome.

Pesquisando os nomes de co-autores de alguns documentos coordenados pela Dra. Sónia, mais precisamente dos Engs. Paulo Malheiro Dias e Manuel Luís da Silva Pinto, encontrei as respectivas páginas pessoais na Casa das Ciências. Não teço grandes comentários, pois não conheço o percurso profissional das pessoas (assim como o da Dra. Sónia, mas reconheçamos que hoje qualquer actividade científica séria é imediatamente observável com uma pesquisa na Internet...), mas à partida, pelo que me foi dado observar naquelas páginas pessoais, não me parece que os seus CVs estejam de acordo com os requisitos que deveriam ser exigidos a agentes definidores de planos de estudo tão importantes.

Assinale-se que há em Portugal, espalhados por Universidades e outras instituições, centenas (ou milhares) de Doutorados em Informática e Ciência dos Computadores. Há também muitos Doutorados Portugueses no estrangeiro, espalhados por Universidades e Empresas de renome.

Ora bem, voltando aos planos de estudo de TIC, naqueles o foco é quase exclusivamente em sistemas operativos e em aplicações de Escritório (Office) e de desenho. Verdade seja dita que algum tempo é devotado ao Linux. Mas ainda é dada bastante atenção ao MS-DOS! Pudera, com planos de estudo feitos em 2003 ou antes...

Bem, chega de crítica e vamos lá à acção!

Para promover a utilização de ferramentas livres no ensino das bases da programação numa fase inicial da escolaridade, vou escrever uma série de artigos assentes no Scratch, uma linguagem de programação visual desenvolvida no MIT, baseada no Squeak Smalltalk e focada no ensino da programação aos (muito) jovens. O Scratch é tão fácil e intuitivo que, quer estudantes, quer professores do Ensino Secundário não irão decerto ter dificuldades na sua aprendizagem e aplicação.

Os artigos irão saindo regularmente, pautados pela disponibilidade profissional. O primeiro já saíu. É a minha modesta contribuição para o ensino das TIC...

O Scratch em acção: primeiros passos

Como refiro noutro artigo, onde as razões da decisão foram expostas, resolvi dedicar algum tempo à divulgação da programação entre os mais jovens. A aquisição do gosto pela programação que, no fundo, não é mais do que uma poderosa ferramenta de resolução de poblemas, pode ser encarada como um acontecimento probabilístico: apresente-se a coisa a X pessoas e uma dada fracção delas, X/N, entrará no comboio. Quanto maior for a audiência X, maior o número de "programadores" contagiados no final.

O principal objectivo destes  posts é elencar algumas ideias fundamentais à escrita e ao desenvolvimento de programas em computador, seguindo uma abordagem que procurará ser independente da linguagem de programação utilizada, e aplicar essas ideias na realização de tarefas de programação bem definidas, mas que sejam didácticas, divertidas e exigindo apenas um nível de conhecimento e um grau de dificuldade adequados à jovem audiência.

Para efectivar esta acção resolvi apostar no Scratch, uma linguagem visual desenvolvida no MIT sobre uma plataforma aberta de Smalltalk, o Squeak. O Scratch é software livre e está disponível para Windows, Macintosh (Mac OS X) e Linux (pelo menos para as distribuições Ubuntu e Fedora). As instruções de instalação naqueles sistemas operativos podem ser consultadas no site do Scratch. Na figura seguinte está o ecrã inicial com que o Scratch nos brinda em Windows.

Janela de trabalho do Scratch, onde são visíveis os painéis mais importantes.

A programação em Scratch (que, em Dezembro de 2010, está na versão 1.4) consiste em interligar blocos visualmente apelativos que correspondem a tarefas de programação concretas. Esta metodologia de programação com gráficos denomina-se programação visual, sendo um exemplo comercial muito vulgarizado deste paradigma de programação o Labview. Alguns daqueles blocos, com possibilidades de parametrização, são personalizados pelo utilizador para a acção que pretende implementar (por exemplo, definindo o número de ciclos que quer executar num "loop"). O Scratch 1.4 dispõe de oito (8) categorias de instruções: Motion (movimento), Control (controle), Looks (aparência), Sensing (interacção), Sound (som), Operators (operadores), Pen (caneta) e Variables (variáveis). Estas categorias são visíveis no painel superior esquerdo da janela de desenvolvimento do Scratch. Para auxiliar a identificação dos blocos, cada categoria está associada a uma cor (por exemplo, os blocos da categoria "Control" são amarelos). Carregando no botão de cada uma das categorias, ficam acessíveis os elementos (de programação) que ela contém: na anterior figura, são visíveis, no painel inferior esquerdo, os elementos "azuis" relacionados com movimento ("Motion").

A língua utilizada nos menus e nos blocos de programação é seleccionada clicando no pequeno globo situado no canto superior esquerdo da janela do editor (mesmo à direita da palavra "Scratch" escrita com uma fonte estilizada). O Português está disponível. Porém, como há muitos itens que não são traduzidos, optámos por utilizar todos os menus na linguagem original: o Inglês. Se quer ser programador de computadores, é bom que se comece a habituar ao Inglês...

No Scratch existem sprites (espíritos, duendes ou fadas...), correspondentes às imagens, como é o exemplo do gato na figura. Também existem sons. Os sprites podem ter vários fatos ("costumes"), o que permite fazer animação com eles. Os painéis para gerir os fatos e os sons são abertos nos marcadores visíveis sobre a janela central (scripts, costumes, sounds). No painel scripts são criados os programas através do arrastamento, a partir do painel da esquerda onde se pode abrir qualquer das oito categorias de blocos, dos blocos necessários ao programa que pretendemos realizar. No problema matemático de hoje serão usados operadores, blocos de controle e variáveis.

O painel da direita é o cenário onde se movem as imagens, caso o programa efectue algum tipo de animações. Os scripts são executados desde o início sempre que se carrega na bandeira verde, e pára-se a sua execução quando se carrega na bola vermelha. Podem haver vários sprites e cada um eles estar associado a um ou mais scripts.

Para terminar esta breve introdução, chama-se a atenção para a existência de quase um milhão e meio de  projectos desenvolvidos com o Scratch disponibilizados no seu site. Os respectivos scripts são de consulta livre.

O problema

O problema do dia é retirado do Projecto Euler. Este projecto publica regularmente problemas matemáticos que, regra geral, necessitam do auxílio do computador para ser resolvidos. Eis o enunciado do problema 1 transcrito ipsis verbis:
"If we list all the natural numbers below 10 that are multiples of 3 or 5, we get 3, 5, 6 and 9. The sum of these multiples is 23.
Find the sum of all the multiples of 3 or 5 below 1000."
(a palavra below foi propositadamente realçada.) Ao resolver este problema e, por conseguinte, ao divulgar a sua solução, não estamos a ser exageradamente desmancha-prazeres (spoilers!), pois ela já está espalhada na Internet: na presente data, já mais de 111000 utilizadores registados no projecto descobriram a solução!

Análise do problema e estratégia de resolução

A análise do problema basicamente consiste apenas na leitura cuidada do seu enunciado e no sequenciamento das acções necessárias:
  1. enumerar, um a um, os inteiros de 0 até 999 (inclusive); 
  2. testar cada um dos inteiros para verificar se é múltiplo de 3 ou de 5; 
  3. em caso afirmativo, adicioná-lo ao acumulador; e no caso contrário passar ao próximo inteiro. Se este for 1000, parar, e a solução do problema é o valor guardado no acumulador.
Vamos necessitar de duas variáveis para resolver o problema: o acumulador, inicializado com 0, ao qual vamos somando os números que satisfazem a condição de ser múltiplos de 3 ou de 5; e n, um contador que varre sequencialmente a gama de inteiros de 0 a 999 (inclusive). Note que a denominação das variáveis no Scratch é arbitrária, tendo-se apenas de garantir  que o seu nome começa por uma letra. Porém, é uma boa prática dar nomes às variáveis que reflictam o seu significado: assim, é muito mais fácil ler e entender os programas, quer ao autor, quer aos eventuais "interessados".

Para determinar se um número, k, é múltiplo de outro, m, usa-se a função matemática módulo que nos dá o resto (inteiro) da divisão inteira k/m: se o resto for 0, então k é múltiplo de m. Habitualmente esta operação é escrita k mod m.  Por exemplo, 17 mod 5=2 (pois 17=3*5+2) e 25 mod 5=0 (pois 25 é múltiplo de 5). A função módulo já existe no Scratch.

Solução computacional: versão lenta

Na figura seguinte mostra-se um script que resolve o problema. Os programas em Scratch são chamados scripts. Abrimos o painel da esquerda nas variáveis, sendo visível que há duas, acumulador e n, que desempenham os papéis que anteriormente descrevemos. O "v" a marcar estas variáveis dá a indicação de que pretendemos visualisar o seu valor no painel da direita.

O sprite do feiticeiro foi escolhido para figurar no painel porque pensamos que ele reflecte bem a filosofia subjacente a este texto. Não fosse esta razão, qualquer boneco podia servir como ilustração...

Script que resolve o problema 1 do projecto Euler. A solução é o valor da variável acumulador.

O programa é simples de entender observando a figura, mas para benefício de todos fazemos alguns breves comentários. Inicializamos o contador com n=0, e o acumulador também com 0. Depois, executamos um ciclo do tipo "repeat-until" que pára quando n>999, ou seja, neste ciclo varre-se a sequência de inteiros definida no enunciado do problema. Dentro do ciclo testa-se se n é multiplo de 3 ou de 5 e, em caso afirmativo, adiciona-se n ao acumulador. No final do script o acumulador tem a solução.

A solução do problema é o valor no acumulador, 233168. O script é executado desde o início sempre que se carrega na bandeira verde, e pára quando se carrega na bola vermelha. A bandeira e a bola estão situadas no topo direito da janela do Scratch, sobre o painel do cenário.

Versão rápida da solução computacional

O anterior script é lento: temos que percorrer toda a lista de inteiros entre 0 e 999. E a lentidão é um dos males que deve ser evitado em todos os algoritmos, a todo o custo! Uma estratégia para acelerar a resolução  consiste em percorrer apenas as sequências dos múltiplos de 3 e de 5 e ir adicionando os seus membros ao acumulador. É isso que se vai fazer de seguida.

Pensando um pouco melhor, reconhece-se que a anterior estratégia de solução está errada porque os números que são simultaneamente múltiplos de 3 e 5 serão contados duas vezes! Temos que evitar que isso aconteça. Para implementar esta salvaguarda usa-se um bloco de controle if: a condição que deixa acumular n na sequência dos múltiplos de 5 é "not ( (n mod 3)=0 )" ou seja, descrevendo-a coloquialmente, acumulamos apenas os "os múltiplos de 5 que não são divisíveis por 3". A solução, agora, é a correcta (veja o valor do acumulador na figura abaixo, que é igual ao da figura anterior).

Precavendo a acumulação dos múltiplos de 5 que também são múltiplos de 3, obtemos o resultado correcto (veja o valor do acumulador).
Solução do problema pela sua análise matemática
Este problema, porém, não carece de computador para ser resolvido de forma expedita e rápida. Usando apenas a fórmula da soma da progressão aritmética de incremento unitário:



Sn=1+2+3+...+n=n*(n+1)/2

é fácil obter a solução.

Vejamos primeiro a soma, S3, de todos os múltiplos de 3 inferiores a 1000. Ora bem, teremos



S3=3+6+...+996+999=3*(1+...+333)=3*333*334/2=166833

Repetindo o procedimento para calcular S5, a soma dos múltiplos de 5 inferiores a 1000, teremos



S5=5+10+...+990+995=5*(1+...+199)=5*199*200/2=99500

e a soma de S3 e S5 é



S3+S5=266333

superior à solução do problema que, como já vimos, é 233168!

O que estará a falhar no raciocínio? É deveras óbvio que os números que são simultaneamente múltiplos de 3 e 5 foram "pescados" duas vezes, em S3 e em S5! Assim, obteremos a solução correcta se subtrairmos a soma destes "duplos múltiplos" ao valor de S3+S5.

Ora bem, os números a que nos referimos são os múltiplos de 3*5=15 inferiores a mil. A sua soma, S15, é calculada de forma semelhante a S3 e S5:


S15=15+30+...+975+990=15*(1+...+66)=15*66*67/2=33165

Então


SOLUÇÃO=S3+S5-S15=266333-33165=233168

é a solução do problema, igual àquela já obtida computacionalmente.

Conclusão

Esta primeira digressão pelo uso do Scratch focou simultaneamente o raciocínio matemático estruturado  adequado à resolução de um (simples) problema, e um conjunto de blocos (ou "instruções") do Scratch que permitiram, quando convenientemente sequenciados e parametrizados, a solução computacional da questão. Esta abordagem será repetida em futuros artigos.

Até breve!

Saturday, October 2, 2010

A diferença entre estar envolvido e estar empenhado...

A propósito da clarificação desta diferença, um amigo contou-me uma metáfora engraçada. Respeitando o Inglês original, aqui está ela.

"In the bacon-with-eggs breakfast, the chicken is involved but the pig is commited".

Fazendo um paralelo do pequeno almoço com o  folhetim do orçamento de Estado e com os principais protagonistas, o Dr. Passos Coelho e o Eng. Sócrates, diria que, neste enquadramento político-financeiro, o Dr. Passos Coelho é a galinha.

Sunday, August 22, 2010

E quanto é o investimento, Senhores?

Estas reflexões vêm a propósito da notícia Universidades de Lisboa e do Porto de novo no ranking de Xangai - Educação - PUBLICO.PT.

As comparações baseadas em critérios parciais são sempre injustas.

Há alguns meses, falando com um nosso conterrâneo que divide o tempo entre o CERN e um laboratório da Un. da Califórnia em Berkeley (uma universidade Estatal nos USA), soube que as propinas nas universidades privadas dos USA (Harvard, MIT, Stanford, etc...) rondavam os 200 mil dólares anuais (!!). No entanto, quase todos os alunos têm propina reduzida (as universidades atraem os melhores cérebros com descontos nas propinas, os alunos trabalham em projectos de investigação que decorrem nos departamentos/laboratórios das universidades e são remunerados por isso, etc...) mas todos pagam anualmente, pelo menos, 50 a 100 mil USD - só os meninos/as ricos e tontos pagam a propina completa nestas escolas de topo. Por vezes, as despesas de alojamento estão incluídas naquele valor: contrariamente ao que se passa em Portugal, nos USA quase todos os estudantes fazem a sua vida nos campuses universitários.

Exposto o elevado custo do ensino universitário nos USA, vejamos como este é suportado.

Há algumas semanas, um interessante documentário explicou o mecanismo dos empréstimos académicos federais nos USA. Foi visível que qualquer universidade/instituto de vão de escada, eventualmente com cursos da treta e que tão pouco leva a cabo qualquer tipo de investigação, cobra à volta de 30 mil USD de propina anual. Para que os alunos de uma instituição privada de ensino possam beneficiar de empréstimo federal, esta tem de ter uma "certificação", o que faz com que a caça a esta certificação pelos empresários (sim!) do ensino universitário privado nos USA seja uma actividade económica em alta.

Para além dos empréstimos federais, também há empréstimos da banca privada concedidos a estudantes, obviamente condicionados pela probabilidade de pagamento que o banco atribui ao estudante/curso em questão.

Assim, muitos licenciados terminam o seu curso universitário com uma dívida que ronda os 100 a 150 mil USD. Este valor é sensivelmente o custo de um apartamento de classe média/baixa em Portugal.

Lá, como cá, há muito desemprego e certos cursos apresentam empregabilidade muito duvidosa. Por esta razão, o incumprimento dos pagamentos daqueles empréstimos tem subido em flecha, sendo o Estado (dos USA) um dos grandes prejudicados.

Assim, nos USA facilmente um recém-licenciado poderá possuir uma formação sem valor de mercado, estar no desemprego e, ainda, dever à banca o equivalente ao custo de um apartamento médio em Portugal...

Comparemos com o que se passa por cá (e, em geral, na Europa). Os números recorrentemente divulgados indicam que o Estado Português desmbolsa, anualmente, algo como 5000 Eur. (cerca de 7000 USD) por estudante técnico (o tipo de estudante mais caro). A propina paga pelo estudante é cerca de 1000 Eur. E o investimento em investigação em Portugal, público e privado é inflaccionado (para o confirmar bastaria escrutinar detalhadamente como são apuradas todas as parcelas que resultam na percentagem do PIB gasta em investigação que o MCTES apregoa...)

Como é possível comparar o investimento em investigação universitária cá e nos USA? É este investimento, juntamente com o potencial humano que o executa, que está por detrás dos índices de publicação científica que contribuem para os critérios de avaliação das Universidades. Grosso modo, entrando somente em conta com a contribuição financeira associada aos estudantes, nos USA o influxo financeiro per capita (de estudante) será cerca de 8 a 10 vezes maior.

Assim, nos USA o financiamento do ensino e da investigação universitários assenta, em grande medida, nos ombros dos estudantes que em geral ficam sobrecarregados no início da vida activa pelo peso correspondente a um substancial empréstimo bancário.

Onde está o dinheiro para pagar equipamento (e condições) de investigação de topo nas Universidades Portuguesas? Ou que empresas obtêem benefícios dessa investigação?

Embora de forma muitas vezes camuflada, é este dinheiro que está por detrás da organização das importantes conferências científicas, da nomeação dos corpos editoriais das revistas mais prestigiadas, das ofertas de bolsas de curta e média duração a cientistas influentes, do intercâmbio de estudantes e de professores (em Portugal, praticamente não existem fundos próprios das Universidades para efectuar este tipo de financiamentos, tendo quase sempre que se recorrer à FCT ou a fundos de programas de mobilidade Europeus, o que onera o processo com uma inominável carga burocrática...) Como disse um sábio, é o dinheiro que faz movimentar o mundo...

Será justo comparar a performance relativa das nossa universidades com, por exemplo, a da selecção de futebol, que se encontra em oitavo (8) lugar no mundo? Ou, quiçá, com os atletas Portugueses do pingue-pongue, estando um Português actualmente entre os 40 melhores do mundo?

Não me parece justa a comparação, na medida em que os critérios privilegiam essencialmente métricas de Investigação e não de Ensino, actividade esta que, embora cada vez mais menosprezada pelas avaliações (e não só...) é aquela que projecta no futuro (cerca de 50 anos, a duração aproximada de uma vida de trabalho) a qualidade da Universidade que "Ensinou".

Existe sem dúvida uma relação entre a qualidade da Investigação e do Ensino, mas não é a única: senão, todos os Licenciados Portugueses formados até à década de 1980 seriam, digamos, "cientificamente aleijados". Mas são eles que, na prática, gerem actualmente o nosso país, com resultados não tão maus como por aí se apregoa...

Finalmente, não vejo razão para os Magníficos Reitores das Universidades de Lisboa e do Porto sacudirem a água do capote e considerarem o resultado das suas escolas no ranking como, digamos, bom... No futuro tentarei abordar outros aspectos da vida Universitária que carecem (IMHO) de..., bem, mudança... e que poderão contribuir para a subida das nossas Escolas em rankings futuros. Assim de repente recordo-me de Bolonha, do empenho dos estudantes, dos rácios de funcionários não docentes, da grandeza das épocas de avaliação e das reais possibilidades de ligação dos professores e alunos à economia real. E, também, da fragmentação, sobreposição e desorganização de Unidades/Centros/Institutos no espaço Universitário. Mais haverão, decerto.