A estratégia do Governo Português para o desenvolvimento e potenciação na juventude de competências em Tecnologias da Informação (TIC) tem tido aspectos bons e maus.
Um aspecto francamente positivo foi permitir, a custo quase irrisório, o acesso generalizado da população estudantil e docente a meios informáticos, mesmo sendo estes, em geral, básicos e de "gama baixa". Convém, no entanto, que o cidadão não olvide que estes meios são essencialmente pagos pelos impostos de todos nós e são decerto responsáveis por parte da dívida de Estado que o Governo Português contraíu nos últimos anos: não foi do bolso pessoal dos Srs. Governantes que saíu o financiamento dos "Magalhães" e dos outros computadores portáteis.
Um aspecto negativo da estratégia foi que boa parte desses meios traziam "agarrados" contratos de comunicação de dados, com mínimos de pagamento obrigatórios e/ou prestações, através da rede GSM (vulgo rede de telemóveis) de banda larga, o que faz com que o custo real do portátil seja sensivelmente o seu valor de mercado. Estou a falar do programa do Ministério da Educação, conjugado com operadoras de redes móveis, que disponibilizava portáteis a docentes e a alunos do Ensino Básico e Secundário (se bem me recordo).
Paralelamente o Governo também financiou um vasto programa de re-equipamento informático aplicado a muitas escolas do país. Estas ficaram dotadas de computadores modernos servidos por Internet (bastante) rápida. Ou seja, em termos gerais os meios físicos estão lá na escola.
Porém, o aspecto mais grave deste assunto tem a ver não com o hardware e com a forma, eventualmente criticável, como este foi apresentado a estudantes e a professores, mas sim com o uso - muito pela rama - que dele é feito. E o que vou dizer resulta de ter filhos na Escola Pública que relatam, em traços gerais, o que se passa. Regra geral, os computadores nas escolas servem para pesquisar a Internet, escrever em MS Word, fazer apresentações em MS PowerPoint e para "navegar" na Internet, ao sabor do gosto pessoal dos alunos. Ou seja, o uso profissional do computador pelos alunos fica limitado àquele que pode muito bem ser feito por qualquer pessoa que possua apenas a escolaridade básica: não se tenta puxar pelos alunos e alargar-lhe os horizontes relativamente aos possíveis usos (profissionais e economicamente valiosos...) do PC.
O que entristece neste cenário é o computador ser uma máquina fantástica que permite aplicar não somente a vertente "racional" e "matemática" das nossas mentes, mas ser também um veículo de suporte à criatividade artística: veja-se o caso da linguagem Processing, que foi criada por Ben Fry e Casey Reas com o objectivo de ser ensinada a estudantes de Artes Visuais, uma população em geral bastante avessa à programação de computadores, para ser usada em projectos de Multimedia.
Mas actualmente há disciplinas específicas às TIC no Ensino Secundário. Fui procurá-las e examinar os respectivos programas. Talvez o seu conteúdo curricular contradissesse a minha anterior (má) opinião sobre o uso do computador na Escola; talvez a minha perspectiva tivesse vistas curtas!
Fui parar à Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), do Ministério da Educação, e aí procurei programas do Secundário que tivessem a ver com as TIC. Encontrei dois: o PROGRAMA DE TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO do 9º e 10º Anos (pdf , 55 páginas, estando outra versão, ou cópia, aqui) e o PROGRAMA DE TECNOLOGIAS INFORMÁTICAS 10º - 11º - 12º ANOS (pdf, 99 páginas). Posteriormente encontrei mais alguns programas de disciplinas de TIC mais específicas: na medida em que consistiam basicamente de subconjuntos da informação contida nos dois primeiros, não os menciono (você encontra-os facilmente com um motor de busca).
Por um lado, pareceu-me óbvio que os documentos deveriam conter bastante informação: 55 e 99 páginas é muito. E, atendendo à importância, decerto seriam também actualizados - pois os programas do ME para o Ensino Básico e Secundário, e os livros, mudam muito mais frequentemente do que os Governos.... Finalmente, sendo as TIC na Escola uma das bandeiras de propaganda (e de investimento, também...) do Governo, esperaria que tivesse havido um esmerado cuidado na elaboração dos seus programas.
Eis o que encontrei: o "Programa de TIC 9-10", da autoria da Dra. Sónia Mildred João, data de 2003; e o "Programa de TI 10-11-12", de Luís F. Soares (Coordenador), foi homologado em 2001! E são estes os programas que o a DGIDC do ME disponibiliza no seu site. Os currículos em Informática fossilizaram em 2003!!!
Mas pensei um pouco: pelo menos os autores dos programas deverão ter sido seleccionados de um lote de profissionais qualificados da área da Informática e da Ciência dos Computadores, e farão parte do corpo docente de Departamentos de Informática de Universidades ou de Institutos Politécnicos, ou de Instituições ou Empresas de gabarito na área da Informática. E furiosamente pesquisei a Net, usando como ponto de partida o mais invulgar daqueles nomes, à procura de um CV que justificasse a atribuição àquela pessoa concreta da responsabilidade da eleboração de programas de estudos com o potencial de influenciar, positiva ou negativamente, o futuro tecnológico de Portugal.
O que recolhi? Uma página do Facebook e uma página de pesquisa do ME onde se fica a saber que a Dra. Sónia está associada a sete (7!) documentos de definição de disciplinas do Secundário ligadas às TIC. Não vislumbrei o seu CV online. Não sei, portanto, quais as qualificações da Senhora Dra. que justificam a sua condição de coordenadora destes documentos. Não encontrei quaisquer publicações científicas relevantes (ou não) em seu nome.
Pesquisando os nomes de co-autores de alguns documentos coordenados pela Dra. Sónia, mais precisamente dos Engs. Paulo Malheiro Dias e Manuel Luís da Silva Pinto, encontrei as respectivas páginas pessoais na Casa das Ciências. Não teço grandes comentários, pois não conheço o percurso profissional das pessoas (assim como o da Dra. Sónia, mas reconheçamos que hoje qualquer actividade científica séria é imediatamente observável com uma pesquisa na Internet...), mas à partida, pelo que me foi dado observar naquelas páginas pessoais, não me parece que os seus CVs estejam de acordo com os requisitos que deveriam ser exigidos a agentes definidores de planos de estudo tão importantes.
Assinale-se que há em Portugal, espalhados por Universidades e outras instituições, centenas (ou milhares) de Doutorados em Informática e Ciência dos Computadores. Há também muitos Doutorados Portugueses no estrangeiro, espalhados por Universidades e Empresas de renome.
Ora bem, voltando aos planos de estudo de TIC, naqueles o foco é quase exclusivamente em sistemas operativos e em aplicações de Escritório (Office) e de desenho. Verdade seja dita que algum tempo é devotado ao Linux. Mas ainda é dada bastante atenção ao MS-DOS! Pudera, com planos de estudo feitos em 2003 ou antes...
Bem, chega de crítica e vamos lá à acção!
Para promover a utilização de ferramentas livres no ensino das bases da programação numa fase inicial da escolaridade, vou escrever uma série de artigos assentes no Scratch, uma linguagem de programação visual desenvolvida no MIT, baseada no Squeak Smalltalk e focada no ensino da programação aos (muito) jovens. O Scratch é tão fácil e intuitivo que, quer estudantes, quer professores do Ensino Secundário não irão decerto ter dificuldades na sua aprendizagem e aplicação.
Os artigos irão saindo regularmente, pautados pela disponibilidade profissional. O primeiro já saíu. É a minha modesta contribuição para o ensino das TIC...
Da necessidade urgente de comentar e partilhar opiniões nas esferas da Educação e da Ciência, focando o espaço Universitário Português. Se o "Seinfeld" era uma série sobre tudo e sobre nada em especial, este espaço pretende sê-lo também, mas focando as ditas Educação e Ciência.
Saturday, December 4, 2010
O Scratch em acção: primeiros passos
Como refiro noutro artigo, onde as razões da decisão foram expostas, resolvi dedicar algum tempo à divulgação da programação entre os mais jovens. A aquisição do gosto pela programação que, no fundo, não é mais do que uma poderosa ferramenta de resolução de poblemas, pode ser encarada como um acontecimento probabilístico: apresente-se a coisa a X pessoas e uma dada fracção delas, X/N, entrará no comboio. Quanto maior for a audiência X, maior o número de "programadores" contagiados no final.
O principal objectivo destes posts é elencar algumas ideias fundamentais à escrita e ao desenvolvimento de programas em computador, seguindo uma abordagem que procurará ser independente da linguagem de programação utilizada, e aplicar essas ideias na realização de tarefas de programação bem definidas, mas que sejam didácticas, divertidas e exigindo apenas um nível de conhecimento e um grau de dificuldade adequados à jovem audiência.
Para efectivar esta acção resolvi apostar no Scratch, uma linguagem visual desenvolvida no MIT sobre uma plataforma aberta de Smalltalk, o Squeak. O Scratch é software livre e está disponível para Windows, Macintosh (Mac OS X) e Linux (pelo menos para as distribuições Ubuntu e Fedora). As instruções de instalação naqueles sistemas operativos podem ser consultadas no site do Scratch. Na figura seguinte está o ecrã inicial com que o Scratch nos brinda em Windows.
A programação em Scratch (que, em Dezembro de 2010, está na versão 1.4) consiste em interligar blocos visualmente apelativos que correspondem a tarefas de programação concretas. Esta metodologia de programação com gráficos denomina-se programação visual, sendo um exemplo comercial muito vulgarizado deste paradigma de programação o Labview. Alguns daqueles blocos, com possibilidades de parametrização, são personalizados pelo utilizador para a acção que pretende implementar (por exemplo, definindo o número de ciclos que quer executar num "loop"). O Scratch 1.4 dispõe de oito (8) categorias de instruções: Motion (movimento), Control (controle), Looks (aparência), Sensing (interacção), Sound (som), Operators (operadores), Pen (caneta) e Variables (variáveis). Estas categorias são visíveis no painel superior esquerdo da janela de desenvolvimento do Scratch. Para auxiliar a identificação dos blocos, cada categoria está associada a uma cor (por exemplo, os blocos da categoria "Control" são amarelos). Carregando no botão de cada uma das categorias, ficam acessíveis os elementos (de programação) que ela contém: na anterior figura, são visíveis, no painel inferior esquerdo, os elementos "azuis" relacionados com movimento ("Motion").
A língua utilizada nos menus e nos blocos de programação é seleccionada clicando no pequeno globo situado no canto superior esquerdo da janela do editor (mesmo à direita da palavra "Scratch" escrita com uma fonte estilizada). O Português está disponível. Porém, como há muitos itens que não são traduzidos, optámos por utilizar todos os menus na linguagem original: o Inglês. Se quer ser programador de computadores, é bom que se comece a habituar ao Inglês...
No Scratch existem sprites (espíritos, duendes ou fadas...), correspondentes às imagens, como é o exemplo do gato na figura. Também existem sons. Os sprites podem ter vários fatos ("costumes"), o que permite fazer animação com eles. Os painéis para gerir os fatos e os sons são abertos nos marcadores visíveis sobre a janela central (scripts, costumes, sounds). No painel scripts são criados os programas através do arrastamento, a partir do painel da esquerda onde se pode abrir qualquer das oito categorias de blocos, dos blocos necessários ao programa que pretendemos realizar. No problema matemático de hoje serão usados operadores, blocos de controle e variáveis.
O painel da direita é o cenário onde se movem as imagens, caso o programa efectue algum tipo de animações. Os scripts são executados desde o início sempre que se carrega na bandeira verde, e pára-se a sua execução quando se carrega na bola vermelha. Podem haver vários sprites e cada um eles estar associado a um ou mais scripts.
Para terminar esta breve introdução, chama-se a atenção para a existência de quase um milhão e meio de projectos desenvolvidos com o Scratch disponibilizados no seu site. Os respectivos scripts são de consulta livre.
Para determinar se um número, k, é múltiplo de outro, m, usa-se a função matemática módulo que nos dá o resto (inteiro) da divisão inteira k/m: se o resto for 0, então k é múltiplo de m. Habitualmente esta operação é escrita k mod m. Por exemplo, 17 mod 5=2 (pois 17=3*5+2) e 25 mod 5=0 (pois 25 é múltiplo de 5). A função módulo já existe no Scratch.
O sprite do feiticeiro foi escolhido para figurar no painel porque pensamos que ele reflecte bem a filosofia subjacente a este texto. Não fosse esta razão, qualquer boneco podia servir como ilustração...
O programa é simples de entender observando a figura, mas para benefício de todos fazemos alguns breves comentários. Inicializamos o contador com n=0, e o acumulador também com 0. Depois, executamos um ciclo do tipo "repeat-until" que pára quando n>999, ou seja, neste ciclo varre-se a sequência de inteiros definida no enunciado do problema. Dentro do ciclo testa-se se n é multiplo de 3 ou de 5 e, em caso afirmativo, adiciona-se n ao acumulador. No final do script o acumulador tem a solução.
A solução do problema é o valor no acumulador, 233168. O script é executado desde o início sempre que se carrega na bandeira verde, e pára quando se carrega na bola vermelha. A bandeira e a bola estão situadas no topo direito da janela do Scratch, sobre o painel do cenário.
Pensando um pouco melhor, reconhece-se que a anterior estratégia de solução está errada porque os números que são simultaneamente múltiplos de 3 e 5 serão contados duas vezes! Temos que evitar que isso aconteça. Para implementar esta salvaguarda usa-se um bloco de controle if: a condição que deixa acumular n na sequência dos múltiplos de 5 é "not ( (n mod 3)=0 )" ou seja, descrevendo-a coloquialmente, acumulamos apenas os "os múltiplos de 5 que não são divisíveis por 3". A solução, agora, é a correcta (veja o valor do acumulador na figura abaixo, que é igual ao da figura anterior).
Solução do problema pela sua análise matemática
Este problema, porém, não carece de computador para ser resolvido de forma expedita e rápida. Usando apenas a fórmula da soma da progressão aritmética de incremento unitário:
Sn=1+2+3+...+n=n*(n+1)/2
é fácil obter a solução.
Vejamos primeiro a soma, S3, de todos os múltiplos de 3 inferiores a 1000. Ora bem, teremos
S3=3+6+...+996+999=3*(1+...+333)=3*333*334/2=166833
Repetindo o procedimento para calcular S5, a soma dos múltiplos de 5 inferiores a 1000, teremos
S5=5+10+...+990+995=5*(1+...+199)=5*199*200/2=99500
e a soma de S3 e S5 é
S3+S5=266333
superior à solução do problema que, como já vimos, é 233168!
O que estará a falhar no raciocínio? É deveras óbvio que os números que são simultaneamente múltiplos de 3 e 5 foram "pescados" duas vezes, em S3 e em S5! Assim, obteremos a solução correcta se subtrairmos a soma destes "duplos múltiplos" ao valor de S3+S5.
Ora bem, os números a que nos referimos são os múltiplos de 3*5=15 inferiores a mil. A sua soma, S15, é calculada de forma semelhante a S3 e S5:
S15=15+30+...+975+990=15*(1+...+66)=15*66*67/2=33165
Então
SOLUÇÃO=S3+S5-S15=266333-33165=233168
é a solução do problema, igual àquela já obtida computacionalmente.
Até breve!
O principal objectivo destes posts é elencar algumas ideias fundamentais à escrita e ao desenvolvimento de programas em computador, seguindo uma abordagem que procurará ser independente da linguagem de programação utilizada, e aplicar essas ideias na realização de tarefas de programação bem definidas, mas que sejam didácticas, divertidas e exigindo apenas um nível de conhecimento e um grau de dificuldade adequados à jovem audiência.
Para efectivar esta acção resolvi apostar no Scratch, uma linguagem visual desenvolvida no MIT sobre uma plataforma aberta de Smalltalk, o Squeak. O Scratch é software livre e está disponível para Windows, Macintosh (Mac OS X) e Linux (pelo menos para as distribuições Ubuntu e Fedora). As instruções de instalação naqueles sistemas operativos podem ser consultadas no site do Scratch. Na figura seguinte está o ecrã inicial com que o Scratch nos brinda em Windows.
Janela de trabalho do Scratch, onde são visíveis os painéis mais importantes. |
A programação em Scratch (que, em Dezembro de 2010, está na versão 1.4) consiste em interligar blocos visualmente apelativos que correspondem a tarefas de programação concretas. Esta metodologia de programação com gráficos denomina-se programação visual, sendo um exemplo comercial muito vulgarizado deste paradigma de programação o Labview. Alguns daqueles blocos, com possibilidades de parametrização, são personalizados pelo utilizador para a acção que pretende implementar (por exemplo, definindo o número de ciclos que quer executar num "loop"). O Scratch 1.4 dispõe de oito (8) categorias de instruções: Motion (movimento), Control (controle), Looks (aparência), Sensing (interacção), Sound (som), Operators (operadores), Pen (caneta) e Variables (variáveis). Estas categorias são visíveis no painel superior esquerdo da janela de desenvolvimento do Scratch. Para auxiliar a identificação dos blocos, cada categoria está associada a uma cor (por exemplo, os blocos da categoria "Control" são amarelos). Carregando no botão de cada uma das categorias, ficam acessíveis os elementos (de programação) que ela contém: na anterior figura, são visíveis, no painel inferior esquerdo, os elementos "azuis" relacionados com movimento ("Motion").
A língua utilizada nos menus e nos blocos de programação é seleccionada clicando no pequeno globo situado no canto superior esquerdo da janela do editor (mesmo à direita da palavra "Scratch" escrita com uma fonte estilizada). O Português está disponível. Porém, como há muitos itens que não são traduzidos, optámos por utilizar todos os menus na linguagem original: o Inglês. Se quer ser programador de computadores, é bom que se comece a habituar ao Inglês...
No Scratch existem sprites (espíritos, duendes ou fadas...), correspondentes às imagens, como é o exemplo do gato na figura. Também existem sons. Os sprites podem ter vários fatos ("costumes"), o que permite fazer animação com eles. Os painéis para gerir os fatos e os sons são abertos nos marcadores visíveis sobre a janela central (scripts, costumes, sounds). No painel scripts são criados os programas através do arrastamento, a partir do painel da esquerda onde se pode abrir qualquer das oito categorias de blocos, dos blocos necessários ao programa que pretendemos realizar. No problema matemático de hoje serão usados operadores, blocos de controle e variáveis.
O painel da direita é o cenário onde se movem as imagens, caso o programa efectue algum tipo de animações. Os scripts são executados desde o início sempre que se carrega na bandeira verde, e pára-se a sua execução quando se carrega na bola vermelha. Podem haver vários sprites e cada um eles estar associado a um ou mais scripts.
Para terminar esta breve introdução, chama-se a atenção para a existência de quase um milhão e meio de projectos desenvolvidos com o Scratch disponibilizados no seu site. Os respectivos scripts são de consulta livre.
O problema
O problema do dia é retirado do Projecto Euler. Este projecto publica regularmente problemas matemáticos que, regra geral, necessitam do auxílio do computador para ser resolvidos. Eis o enunciado do problema 1 transcrito ipsis verbis:"If we list all the natural numbers below 10 that are multiples of 3 or 5, we get 3, 5, 6 and 9. The sum of these multiples is 23.(a palavra below foi propositadamente realçada.) Ao resolver este problema e, por conseguinte, ao divulgar a sua solução, não estamos a ser exageradamente desmancha-prazeres (spoilers!), pois ela já está espalhada na Internet: na presente data, já mais de 111000 utilizadores registados no projecto descobriram a solução!
Find the sum of all the multiples of 3 or 5 below 1000."
Análise do problema e estratégia de resolução
A análise do problema basicamente consiste apenas na leitura cuidada do seu enunciado e no sequenciamento das acções necessárias:- enumerar, um a um, os inteiros de 0 até 999 (inclusive);
- testar cada um dos inteiros para verificar se é múltiplo de 3 ou de 5;
- em caso afirmativo, adicioná-lo ao acumulador; e no caso contrário passar ao próximo inteiro. Se este for 1000, parar, e a solução do problema é o valor guardado no acumulador.
Para determinar se um número, k, é múltiplo de outro, m, usa-se a função matemática módulo que nos dá o resto (inteiro) da divisão inteira k/m: se o resto for 0, então k é múltiplo de m. Habitualmente esta operação é escrita k mod m. Por exemplo, 17 mod 5=2 (pois 17=3*5+2) e 25 mod 5=0 (pois 25 é múltiplo de 5). A função módulo já existe no Scratch.
Solução computacional: versão lenta
Na figura seguinte mostra-se um script que resolve o problema. Os programas em Scratch são chamados scripts. Abrimos o painel da esquerda nas variáveis, sendo visível que há duas, acumulador e n, que desempenham os papéis que anteriormente descrevemos. O "v" a marcar estas variáveis dá a indicação de que pretendemos visualisar o seu valor no painel da direita.O sprite do feiticeiro foi escolhido para figurar no painel porque pensamos que ele reflecte bem a filosofia subjacente a este texto. Não fosse esta razão, qualquer boneco podia servir como ilustração...
Script que resolve o problema 1 do projecto Euler. A solução é o valor da variável acumulador. |
O programa é simples de entender observando a figura, mas para benefício de todos fazemos alguns breves comentários. Inicializamos o contador com n=0, e o acumulador também com 0. Depois, executamos um ciclo do tipo "repeat-until" que pára quando n>999, ou seja, neste ciclo varre-se a sequência de inteiros definida no enunciado do problema. Dentro do ciclo testa-se se n é multiplo de 3 ou de 5 e, em caso afirmativo, adiciona-se n ao acumulador. No final do script o acumulador tem a solução.
A solução do problema é o valor no acumulador, 233168. O script é executado desde o início sempre que se carrega na bandeira verde, e pára quando se carrega na bola vermelha. A bandeira e a bola estão situadas no topo direito da janela do Scratch, sobre o painel do cenário.
Versão rápida da solução computacional
O anterior script é lento: temos que percorrer toda a lista de inteiros entre 0 e 999. E a lentidão é um dos males que deve ser evitado em todos os algoritmos, a todo o custo! Uma estratégia para acelerar a resolução consiste em percorrer apenas as sequências dos múltiplos de 3 e de 5 e ir adicionando os seus membros ao acumulador. É isso que se vai fazer de seguida.
Precavendo a acumulação dos múltiplos de 5 que também são múltiplos de 3, obtemos o resultado correcto (veja o valor do acumulador). |
Este problema, porém, não carece de computador para ser resolvido de forma expedita e rápida. Usando apenas a fórmula da soma da progressão aritmética de incremento unitário:
é fácil obter a solução.
Vejamos primeiro a soma, S3, de todos os múltiplos de 3 inferiores a 1000. Ora bem, teremos
Repetindo o procedimento para calcular S5, a soma dos múltiplos de 5 inferiores a 1000, teremos
e a soma de S3 e S5 é
superior à solução do problema que, como já vimos, é 233168!
O que estará a falhar no raciocínio? É deveras óbvio que os números que são simultaneamente múltiplos de 3 e 5 foram "pescados" duas vezes, em S3 e em S5! Assim, obteremos a solução correcta se subtrairmos a soma destes "duplos múltiplos" ao valor de S3+S5.
Ora bem, os números a que nos referimos são os múltiplos de 3*5=15 inferiores a mil. A sua soma, S15, é calculada de forma semelhante a S3 e S5:
Então
é a solução do problema, igual àquela já obtida computacionalmente.
Conclusão
Esta primeira digressão pelo uso do Scratch focou simultaneamente o raciocínio matemático estruturado adequado à resolução de um (simples) problema, e um conjunto de blocos (ou "instruções") do Scratch que permitiram, quando convenientemente sequenciados e parametrizados, a solução computacional da questão. Esta abordagem será repetida em futuros artigos.Até breve!
Saturday, October 2, 2010
A diferença entre estar envolvido e estar empenhado...
A propósito da clarificação desta diferença, um amigo contou-me uma metáfora engraçada. Respeitando o Inglês original, aqui está ela.
"In the bacon-with-eggs breakfast, the chicken is involved but the pig is commited".
Fazendo um paralelo do pequeno almoço com o folhetim do orçamento de Estado e com os principais protagonistas, o Dr. Passos Coelho e o Eng. Sócrates, diria que, neste enquadramento político-financeiro, o Dr. Passos Coelho é a galinha.
"In the bacon-with-eggs breakfast, the chicken is involved but the pig is commited".
Fazendo um paralelo do pequeno almoço com o folhetim do orçamento de Estado e com os principais protagonistas, o Dr. Passos Coelho e o Eng. Sócrates, diria que, neste enquadramento político-financeiro, o Dr. Passos Coelho é a galinha.
Sunday, August 22, 2010
E quanto é o investimento, Senhores?
Estas reflexões vêm a propósito da notícia Universidades de Lisboa e do Porto de novo no ranking de Xangai - Educação - PUBLICO.PT.
As comparações baseadas em critérios parciais são sempre injustas.
Há alguns meses, falando com um nosso conterrâneo que divide o tempo entre o CERN e um laboratório da Un. da Califórnia em Berkeley (uma universidade Estatal nos USA), soube que as propinas nas universidades privadas dos USA (Harvard, MIT, Stanford, etc...) rondavam os 200 mil dólares anuais (!!). No entanto, quase todos os alunos têm propina reduzida (as universidades atraem os melhores cérebros com descontos nas propinas, os alunos trabalham em projectos de investigação que decorrem nos departamentos/laboratórios das universidades e são remunerados por isso, etc...) mas todos pagam anualmente, pelo menos, 50 a 100 mil USD - só os meninos/as ricos e tontos pagam a propina completa nestas escolas de topo. Por vezes, as despesas de alojamento estão incluídas naquele valor: contrariamente ao que se passa em Portugal, nos USA quase todos os estudantes fazem a sua vida nos campuses universitários.
Exposto o elevado custo do ensino universitário nos USA, vejamos como este é suportado.
Há algumas semanas, um interessante documentário explicou o mecanismo dos empréstimos académicos federais nos USA. Foi visível que qualquer universidade/instituto de vão de escada, eventualmente com cursos da treta e que tão pouco leva a cabo qualquer tipo de investigação, cobra à volta de 30 mil USD de propina anual. Para que os alunos de uma instituição privada de ensino possam beneficiar de empréstimo federal, esta tem de ter uma "certificação", o que faz com que a caça a esta certificação pelos empresários (sim!) do ensino universitário privado nos USA seja uma actividade económica em alta.
Para além dos empréstimos federais, também há empréstimos da banca privada concedidos a estudantes, obviamente condicionados pela probabilidade de pagamento que o banco atribui ao estudante/curso em questão.
Assim, muitos licenciados terminam o seu curso universitário com uma dívida que ronda os 100 a 150 mil USD. Este valor é sensivelmente o custo de um apartamento de classe média/baixa em Portugal.
Lá, como cá, há muito desemprego e certos cursos apresentam empregabilidade muito duvidosa. Por esta razão, o incumprimento dos pagamentos daqueles empréstimos tem subido em flecha, sendo o Estado (dos USA) um dos grandes prejudicados.
Assim, nos USA facilmente um recém-licenciado poderá possuir uma formação sem valor de mercado, estar no desemprego e, ainda, dever à banca o equivalente ao custo de um apartamento médio em Portugal...
Comparemos com o que se passa por cá (e, em geral, na Europa). Os números recorrentemente divulgados indicam que o Estado Português desmbolsa, anualmente, algo como 5000 Eur. (cerca de 7000 USD) por estudante técnico (o tipo de estudante mais caro). A propina paga pelo estudante é cerca de 1000 Eur. E o investimento em investigação em Portugal, público e privado é inflaccionado (para o confirmar bastaria escrutinar detalhadamente como são apuradas todas as parcelas que resultam na percentagem do PIB gasta em investigação que o MCTES apregoa...)
Como é possível comparar o investimento em investigação universitária cá e nos USA? É este investimento, juntamente com o potencial humano que o executa, que está por detrás dos índices de publicação científica que contribuem para os critérios de avaliação das Universidades. Grosso modo, entrando somente em conta com a contribuição financeira associada aos estudantes, nos USA o influxo financeiro per capita (de estudante) será cerca de 8 a 10 vezes maior.
Assim, nos USA o financiamento do ensino e da investigação universitários assenta, em grande medida, nos ombros dos estudantes que em geral ficam sobrecarregados no início da vida activa pelo peso correspondente a um substancial empréstimo bancário.
Onde está o dinheiro para pagar equipamento (e condições) de investigação de topo nas Universidades Portuguesas? Ou que empresas obtêem benefícios dessa investigação?
Embora de forma muitas vezes camuflada, é este dinheiro que está por detrás da organização das importantes conferências científicas, da nomeação dos corpos editoriais das revistas mais prestigiadas, das ofertas de bolsas de curta e média duração a cientistas influentes, do intercâmbio de estudantes e de professores (em Portugal, praticamente não existem fundos próprios das Universidades para efectuar este tipo de financiamentos, tendo quase sempre que se recorrer à FCT ou a fundos de programas de mobilidade Europeus, o que onera o processo com uma inominável carga burocrática...) Como disse um sábio, é o dinheiro que faz movimentar o mundo...
Será justo comparar a performance relativa das nossa universidades com, por exemplo, a da selecção de futebol, que se encontra em oitavo (8) lugar no mundo? Ou, quiçá, com os atletas Portugueses do pingue-pongue, estando um Português actualmente entre os 40 melhores do mundo?
Não me parece justa a comparação, na medida em que os critérios privilegiam essencialmente métricas de Investigação e não de Ensino, actividade esta que, embora cada vez mais menosprezada pelas avaliações (e não só...) é aquela que projecta no futuro (cerca de 50 anos, a duração aproximada de uma vida de trabalho) a qualidade da Universidade que "Ensinou".
Existe sem dúvida uma relação entre a qualidade da Investigação e do Ensino, mas não é a única: senão, todos os Licenciados Portugueses formados até à década de 1980 seriam, digamos, "cientificamente aleijados". Mas são eles que, na prática, gerem actualmente o nosso país, com resultados não tão maus como por aí se apregoa...
Finalmente, não vejo razão para os Magníficos Reitores das Universidades de Lisboa e do Porto sacudirem a água do capote e considerarem o resultado das suas escolas no ranking como, digamos, bom... No futuro tentarei abordar outros aspectos da vida Universitária que carecem (IMHO) de..., bem, mudança... e que poderão contribuir para a subida das nossas Escolas em rankings futuros. Assim de repente recordo-me de Bolonha, do empenho dos estudantes, dos rácios de funcionários não docentes, da grandeza das épocas de avaliação e das reais possibilidades de ligação dos professores e alunos à economia real. E, também, da fragmentação, sobreposição e desorganização de Unidades/Centros/Institutos no espaço Universitário. Mais haverão, decerto.
As comparações baseadas em critérios parciais são sempre injustas.
Há alguns meses, falando com um nosso conterrâneo que divide o tempo entre o CERN e um laboratório da Un. da Califórnia em Berkeley (uma universidade Estatal nos USA), soube que as propinas nas universidades privadas dos USA (Harvard, MIT, Stanford, etc...) rondavam os 200 mil dólares anuais (!!). No entanto, quase todos os alunos têm propina reduzida (as universidades atraem os melhores cérebros com descontos nas propinas, os alunos trabalham em projectos de investigação que decorrem nos departamentos/laboratórios das universidades e são remunerados por isso, etc...) mas todos pagam anualmente, pelo menos, 50 a 100 mil USD - só os meninos/as ricos e tontos pagam a propina completa nestas escolas de topo. Por vezes, as despesas de alojamento estão incluídas naquele valor: contrariamente ao que se passa em Portugal, nos USA quase todos os estudantes fazem a sua vida nos campuses universitários.
Exposto o elevado custo do ensino universitário nos USA, vejamos como este é suportado.
Há algumas semanas, um interessante documentário explicou o mecanismo dos empréstimos académicos federais nos USA. Foi visível que qualquer universidade/instituto de vão de escada, eventualmente com cursos da treta e que tão pouco leva a cabo qualquer tipo de investigação, cobra à volta de 30 mil USD de propina anual. Para que os alunos de uma instituição privada de ensino possam beneficiar de empréstimo federal, esta tem de ter uma "certificação", o que faz com que a caça a esta certificação pelos empresários (sim!) do ensino universitário privado nos USA seja uma actividade económica em alta.
Para além dos empréstimos federais, também há empréstimos da banca privada concedidos a estudantes, obviamente condicionados pela probabilidade de pagamento que o banco atribui ao estudante/curso em questão.
Assim, muitos licenciados terminam o seu curso universitário com uma dívida que ronda os 100 a 150 mil USD. Este valor é sensivelmente o custo de um apartamento de classe média/baixa em Portugal.
Lá, como cá, há muito desemprego e certos cursos apresentam empregabilidade muito duvidosa. Por esta razão, o incumprimento dos pagamentos daqueles empréstimos tem subido em flecha, sendo o Estado (dos USA) um dos grandes prejudicados.
Assim, nos USA facilmente um recém-licenciado poderá possuir uma formação sem valor de mercado, estar no desemprego e, ainda, dever à banca o equivalente ao custo de um apartamento médio em Portugal...
Comparemos com o que se passa por cá (e, em geral, na Europa). Os números recorrentemente divulgados indicam que o Estado Português desmbolsa, anualmente, algo como 5000 Eur. (cerca de 7000 USD) por estudante técnico (o tipo de estudante mais caro). A propina paga pelo estudante é cerca de 1000 Eur. E o investimento em investigação em Portugal, público e privado é inflaccionado (para o confirmar bastaria escrutinar detalhadamente como são apuradas todas as parcelas que resultam na percentagem do PIB gasta em investigação que o MCTES apregoa...)
Como é possível comparar o investimento em investigação universitária cá e nos USA? É este investimento, juntamente com o potencial humano que o executa, que está por detrás dos índices de publicação científica que contribuem para os critérios de avaliação das Universidades. Grosso modo, entrando somente em conta com a contribuição financeira associada aos estudantes, nos USA o influxo financeiro per capita (de estudante) será cerca de 8 a 10 vezes maior.
Assim, nos USA o financiamento do ensino e da investigação universitários assenta, em grande medida, nos ombros dos estudantes que em geral ficam sobrecarregados no início da vida activa pelo peso correspondente a um substancial empréstimo bancário.
Onde está o dinheiro para pagar equipamento (e condições) de investigação de topo nas Universidades Portuguesas? Ou que empresas obtêem benefícios dessa investigação?
Embora de forma muitas vezes camuflada, é este dinheiro que está por detrás da organização das importantes conferências científicas, da nomeação dos corpos editoriais das revistas mais prestigiadas, das ofertas de bolsas de curta e média duração a cientistas influentes, do intercâmbio de estudantes e de professores (em Portugal, praticamente não existem fundos próprios das Universidades para efectuar este tipo de financiamentos, tendo quase sempre que se recorrer à FCT ou a fundos de programas de mobilidade Europeus, o que onera o processo com uma inominável carga burocrática...) Como disse um sábio, é o dinheiro que faz movimentar o mundo...
Será justo comparar a performance relativa das nossa universidades com, por exemplo, a da selecção de futebol, que se encontra em oitavo (8) lugar no mundo? Ou, quiçá, com os atletas Portugueses do pingue-pongue, estando um Português actualmente entre os 40 melhores do mundo?
Não me parece justa a comparação, na medida em que os critérios privilegiam essencialmente métricas de Investigação e não de Ensino, actividade esta que, embora cada vez mais menosprezada pelas avaliações (e não só...) é aquela que projecta no futuro (cerca de 50 anos, a duração aproximada de uma vida de trabalho) a qualidade da Universidade que "Ensinou".
Existe sem dúvida uma relação entre a qualidade da Investigação e do Ensino, mas não é a única: senão, todos os Licenciados Portugueses formados até à década de 1980 seriam, digamos, "cientificamente aleijados". Mas são eles que, na prática, gerem actualmente o nosso país, com resultados não tão maus como por aí se apregoa...
Finalmente, não vejo razão para os Magníficos Reitores das Universidades de Lisboa e do Porto sacudirem a água do capote e considerarem o resultado das suas escolas no ranking como, digamos, bom... No futuro tentarei abordar outros aspectos da vida Universitária que carecem (IMHO) de..., bem, mudança... e que poderão contribuir para a subida das nossas Escolas em rankings futuros. Assim de repente recordo-me de Bolonha, do empenho dos estudantes, dos rácios de funcionários não docentes, da grandeza das épocas de avaliação e das reais possibilidades de ligação dos professores e alunos à economia real. E, também, da fragmentação, sobreposição e desorganização de Unidades/Centros/Institutos no espaço Universitário. Mais haverão, decerto.
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