Saturday, December 4, 2010

Coçe os Neurónios com o Scratch - ou "Afinal quem define os planos de estudo das disciplinas de TIC no Ensino Secundário?"

A estratégia do Governo Português para o desenvolvimento e potenciação na juventude de competências em Tecnologias da Informação (TIC) tem tido aspectos bons e maus.

Um aspecto francamente positivo foi permitir, a custo quase irrisório, o acesso generalizado da população estudantil e docente a meios informáticos, mesmo sendo estes, em geral, básicos e de "gama baixa". Convém, no entanto, que o cidadão não olvide que estes meios são essencialmente pagos pelos impostos de todos nós e são decerto responsáveis por parte da dívida de Estado que o Governo Português contraíu nos últimos anos: não foi do bolso pessoal dos Srs. Governantes que saíu o financiamento dos "Magalhães" e dos outros computadores portáteis.

Um aspecto negativo da estratégia foi que boa parte desses meios traziam "agarrados" contratos de comunicação de dados, com mínimos de pagamento obrigatórios e/ou prestações, através da rede GSM (vulgo rede de telemóveis) de banda larga, o que faz com que o custo real do portátil seja sensivelmente o seu valor de mercado. Estou a falar do programa do Ministério da Educação, conjugado com operadoras de redes móveis, que disponibilizava portáteis a docentes e a alunos do Ensino Básico e Secundário (se bem me recordo).

Paralelamente o Governo também financiou um vasto programa de re-equipamento informático aplicado a muitas escolas do país. Estas ficaram dotadas de computadores modernos servidos por Internet (bastante) rápida. Ou seja, em termos gerais os meios físicos estão lá na escola.

Porém, o aspecto mais grave deste assunto tem a ver não com o hardware e com a forma, eventualmente criticável, como este foi apresentado a estudantes e a professores, mas sim com o uso - muito pela rama - que dele é feito. E o que vou dizer resulta de ter filhos na Escola Pública que relatam, em traços gerais, o que se passa. Regra geral, os computadores nas escolas servem para pesquisar a Internet, escrever em MS Word, fazer apresentações em MS PowerPoint e para "navegar" na Internet, ao sabor do gosto pessoal dos alunos. Ou seja, o uso profissional do computador pelos alunos fica limitado àquele que pode muito bem ser feito por qualquer pessoa que possua apenas a escolaridade básica: não se tenta puxar pelos alunos e alargar-lhe os horizontes  relativamente aos possíveis usos (profissionais e economicamente valiosos...) do PC.

O que entristece neste cenário é o computador ser uma máquina fantástica que permite aplicar não somente a vertente "racional" e "matemática" das nossas mentes, mas ser também um veículo de suporte à criatividade artística: veja-se o caso da linguagem Processing, que foi criada por Ben Fry e Casey Reas com o objectivo de ser ensinada a estudantes de Artes Visuais, uma população em geral bastante avessa à programação de computadores, para ser usada em projectos de Multimedia.

Mas actualmente há disciplinas específicas às TIC no Ensino Secundário. Fui procurá-las e examinar os respectivos programas. Talvez o seu conteúdo curricular contradissesse a minha anterior (má) opinião sobre o uso do computador na Escola; talvez a minha perspectiva tivesse vistas curtas!

Fui parar à Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), do Ministério da Educação, e aí procurei programas do Secundário que tivessem a ver com as TIC. Encontrei dois: o PROGRAMA DE TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO do 9º e 10º Anos (pdf , 55 páginas, estando outra versão, ou cópia, aqui) e o PROGRAMA DE TECNOLOGIAS INFORMÁTICAS 10º - 11º - 12º ANOS (pdf, 99 páginas). Posteriormente encontrei mais alguns programas de disciplinas de TIC mais específicas: na medida em que consistiam basicamente de subconjuntos da informação contida nos dois primeiros, não os menciono (você encontra-os facilmente com um motor de busca).

Por um lado, pareceu-me óbvio que os documentos deveriam conter bastante informação: 55 e 99 páginas é muito. E, atendendo à importância, decerto seriam também actualizados - pois os programas do ME para o Ensino Básico e Secundário, e os livros, mudam muito mais frequentemente do que os Governos.... Finalmente, sendo as TIC na Escola uma das bandeiras de propaganda (e de investimento, também...) do Governo, esperaria que tivesse havido um esmerado cuidado na elaboração dos seus programas.

Eis o que encontrei: o "Programa de TIC 9-10", da autoria da Dra. Sónia Mildred João, data de 2003; e o "Programa de TI 10-11-12", de Luís F. Soares (Coordenador), foi homologado em 2001! E são estes os programas que o a DGIDC do ME disponibiliza no seu site. Os currículos em Informática fossilizaram em 2003!!!

Mas pensei um pouco: pelo menos os autores dos programas deverão ter sido seleccionados de um lote de profissionais qualificados da área da Informática e da Ciência dos Computadores, e farão parte do corpo docente de Departamentos de Informática de Universidades ou de Institutos Politécnicos, ou de Instituições ou Empresas de gabarito na área da Informática. E furiosamente pesquisei a Net, usando como ponto de partida o mais invulgar daqueles nomes, à procura de um CV que justificasse a atribuição àquela pessoa concreta da responsabilidade da eleboração de programas de estudos com o potencial de influenciar, positiva ou negativamente, o futuro tecnológico de Portugal.

O que recolhi? Uma página do Facebook e uma página de pesquisa do ME onde se fica a saber que a Dra. Sónia está associada a sete (7!) documentos de definição de disciplinas do Secundário ligadas às TIC. Não vislumbrei o seu CV online. Não sei, portanto, quais as qualificações da Senhora Dra. que justificam a sua condição de coordenadora destes documentos. Não encontrei quaisquer publicações científicas relevantes (ou não) em seu nome.

Pesquisando os nomes de co-autores de alguns documentos coordenados pela Dra. Sónia, mais precisamente dos Engs. Paulo Malheiro Dias e Manuel Luís da Silva Pinto, encontrei as respectivas páginas pessoais na Casa das Ciências. Não teço grandes comentários, pois não conheço o percurso profissional das pessoas (assim como o da Dra. Sónia, mas reconheçamos que hoje qualquer actividade científica séria é imediatamente observável com uma pesquisa na Internet...), mas à partida, pelo que me foi dado observar naquelas páginas pessoais, não me parece que os seus CVs estejam de acordo com os requisitos que deveriam ser exigidos a agentes definidores de planos de estudo tão importantes.

Assinale-se que há em Portugal, espalhados por Universidades e outras instituições, centenas (ou milhares) de Doutorados em Informática e Ciência dos Computadores. Há também muitos Doutorados Portugueses no estrangeiro, espalhados por Universidades e Empresas de renome.

Ora bem, voltando aos planos de estudo de TIC, naqueles o foco é quase exclusivamente em sistemas operativos e em aplicações de Escritório (Office) e de desenho. Verdade seja dita que algum tempo é devotado ao Linux. Mas ainda é dada bastante atenção ao MS-DOS! Pudera, com planos de estudo feitos em 2003 ou antes...

Bem, chega de crítica e vamos lá à acção!

Para promover a utilização de ferramentas livres no ensino das bases da programação numa fase inicial da escolaridade, vou escrever uma série de artigos assentes no Scratch, uma linguagem de programação visual desenvolvida no MIT, baseada no Squeak Smalltalk e focada no ensino da programação aos (muito) jovens. O Scratch é tão fácil e intuitivo que, quer estudantes, quer professores do Ensino Secundário não irão decerto ter dificuldades na sua aprendizagem e aplicação.

Os artigos irão saindo regularmente, pautados pela disponibilidade profissional. O primeiro já saíu. É a minha modesta contribuição para o ensino das TIC...

No comments:

Post a Comment